sábado, 20 de maio de 2017

A necessidade de uma Filosofia Mística para os dias de hoje (Terceira Parte)

Ler primeiramente:



MÍSTICA FILOSÓFICA


Na segunda parte desse artigo tratamos da necessidade de uma filosofia que seja mística. Além disso, porém, precisamos também de uma mística que seja filosófica.

Os autores místicos, na maioria das vezes, não empregaram linguagem filosófica, embora muito de filosofia pode ser encontrado em suas obras. E a que tende a Filosofia? A uma certa perscrutação, a um certo metodismo e a uma certa sistematicidade

Ao aproximar-se da Filosofia, porém, a Mística não pode perder a sua essência, que é o mistério relacional entre a alma e Deus, e não pode tornar-se árida, mas deve manter a sua característica, que é ser pneumaticamente livre1.

Sendo assim, é necessário que o filósofo aproxime-se da Mística, mas também é preciso que o místico aproxime-se da Filosofia. O conhecimento filosófico é necessário para interpretar a realidade, e é preciso uma Filosofia e uma Mística que estejam em contato com os grandes espíritos que perscrutaram importantes essencialidades da vida humana.

Esse diálogo é assimilativo, mas também é apologético. O polemismo não é característica forte da mística – ela tende à docilidade de alma –, contudo ela precisa se caracterizar e se definir filosoficamente, e para isso é necessária uma dose consciente de apologética, que é característica de toda filosofia cristã, a qual está cercada por pensamentos que são hostis à vida do espírito.

Sendo assim, nesse diálogo existem influências, mas também existem confrontos. Esses confrontos, necessários, precisam estar relacionados à docilidade característica da Mística, e devem servir de defesa, sem ser muito contenciosos.

Verdade é que a História da Filosofia está repleta de eminentes pensadores cristãos, da Antiguidade à Pós-Modernidade – passando dos filósofos da Patrística à Escolástica, e desta à Modernidade, chegando aos pensadores apologéticos na era pós-moderna. A Mística deve passear por este caminho. Contudo, a Filosofia Mística precisa também criar raízes próprias, desenhando uma linguagem toda particular, e suas fontes principais são a vida e os escritos dos místicos. Ali ela deve buscar sua sua ética, sua metafísica e sua ontologia.

A Filosofia Mística será, portando, uma nova filosofia, a única que responderá às demandas do presente século e da era futura, e aos desafios que existem atualmente e que estão por vir.



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1 Referimo-nos, aqui, à liberdade de espírito e do Espírito

terça-feira, 16 de maio de 2017

A necessidade de uma Filosofia Mística para os dias de hoje (Segunda Parte)

Ler primeiramente: 




Iniciamos esse artigo (Primeira Parte) evocando a impactante frase do teólogo Karl Rahner, que é profética para os dias de hoje. Essa frase faz referência ao precioso universo da mística cristã. Mas o que vem a ser a mística, exatamente?


FILOSOFIA MÍSTICA

A palavra “mística”, ou “místico”, a princípio, pode assustar, pois o seu sentido se tornou desgastado e desfigurado com o tempo, podendo aludir àquilo que é sensorial, irracional ou até mesmo ao ocultismo. Porém esse não era o significado utilizado pelos cristãos antigos. A palavra “mística”, na longa tradição da História da Igreja, sempre significou a união de amor radical e misteriosa entre a alma e Deus. Assim, “místico” é a pessoa que tem uma relação radical e misteriosa de santidade e amor com Jesus.

Além disso, a mística está também relacionada a uma certa ciência do espírito1, isto é, o místico, na História da Igreja, além de ser um santo é também um cristão que possui uma ciência espiritual elevada, e é capaz de ensinar e expor a filosofia do espírito em palavras.

Exemplos de místicos da História da Igreja são: Gregório de Nissa, Pseudo-Dionísio Areopagita, Agostinho, Bernardo de Claraval, Mestre Eckhart, Macário, Teresa de Ávila, Teresa de Lisieux, Teresa de Calcutá, Edith Stein (Teresa Benedita da Cruz), João da Cruz, Catarina de Siena e Faustina Kowalska, para citar alguns.

É exatamente essa ciência, fundada em uma espiritualidade profundamente relacional, e tem por base o amor pascal de Jesus, que faz da mística cristã a única filosofia que pode suprir as demandas da carência de espiritualidade da Pós-Modernidade. O vazio provocado pelo mito do "Século das Luzes" e pelo secularismo árido só poderá ser totalmente suprido por uma filosofia do espírito que seja cristã e seja mística em sua essência.

Sendo assim, para o cristão e para o filósofo, será necessário um certo conhecimento do repertório de toda uma longa e rica tradição de místicos da Igreja, na qual a futura ciência filosófica deverá se apoiar. Uma filosofia autêntica que contemple as demandas do século de hoje será uma filosofia que respire os atos dos santos e os escritos dos místicos, dos quais a História da Igreja está impregnada. Sendo assim, é preciso uma Filosofia, uma História e uma Filosofia da História que seja a um só tempo hagiográfica e cientificamente espiritual. Pois no atual estado da sociedade pós-moderna a fé não possui sentido, se não for mística. Não possui sentido, se não for profunda.

Por conseguinte, a norteadora frase do teólogo alemão é um dos princípios basilares para o desenvolvimento de uma filosofia que seja genuinamente cristã no século XXI.

Para isso, as Obras dos místicos são o ponto de partida para o pensar filosófico, que devem ser estudadas, analisadas e imitadas. O resultado de todo esse debruçar sobre o precioso universo da mística, que se contrapõe às limitações metafísicas do secularismo, é o que deverá resultar em uma sólida Filosofia Mística, pois tais vidas e tais escritos expressam a vida de Jesus, que é o princípio norteador de toda filosofia, de toda vida espiritual e de toda a História.


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1 Tal conhecimento e experiência Edith Stein irá denominar ciência da cruz


Ler a continuação: A necessidade de uma Filosofia Mística para os dias de hoje (Terceira Parte)

sábado, 13 de maio de 2017

A necessidade de uma Filosofia Mística para os dias de hoje (Primeira Parte)

O eminente teólogo católico Karl Rahner (1904-1984) escreveu algo que é profético para os nossos dias: “o cristão do futuro, ou será místico, ou não será cristão”.

Vivemos na cultura da sociedade cristã ocidental. Muitos dos valores éticos e morais enraizados em nossa sociedade vêm de Jesus e vêm do Cristianismo. Jesus dividiu a História em duas partes e é o grande divisor de águas da cultura em que vivemos. Contudo, nossa sociedade, embora defenda muitos valores cristãos – que são defendidos inconscientemente até mesmo por muitos ateus – não permanece cristã em sua essência.

É grande o número de “cristãos não-praticantes”, ou seja, de pessoas que se dizem cristãs, mas desconhecem a essência do Cristianismo. Vivemos no caldo da cultura da Pós-Modernidade, estágio mais indolente e descrente do que a Modernidade – o estandarte do ateísmo; vivemos em uma era em que os valores ateístas difundidos pelo Iluminismo mostraram-se estéreis, e o "Século das Luzes" não mostrou a que veio, antes, mostrou ser mais irracional e ineficiente do que todas as eras que o precederam. Vivemos em uma época de inexplicável desigualdade social, de fome e miséria e tivemos, recentemente, duas grandes guerras mundiais e a Guerra Fria. E o que é, hoje, a Pós-Modernidade? É o princípio do relativismo e da incerteza filosófica: não se acredita em mais nada.

Exatamente por causa do vazio causado pela Modernidade e pela sua sucessora natural, a referida Pós-Modernidade (constatação da ineficácia da razão antropocêntrica para resolver os problemas do mundo), o mundo hoje, mais do que nunca, carece e clama por espiritualidade. E qual é um dos caminhos escolhidos por muitas pessoas que vivem na era do Capitalismo e estão sedentas por espiritualidade? A rasa e atraente espiritualidade da Nova-Era.

A Nova-Era é uma espiritualidade atraente porque prega uma religião sem um Deus definido, um deus sem rosto. O deus da Nova-Era é a natureza, as forças cósmicas, uma energia, sendo, portanto, um panteísmo frágil que aponta para uma espiritualidade que escapa do sentido etimológico mais profundo da palavra religião: tem origem no latim, religare, e significa: “religar o homem com Deus”. E se há uma religação, isso significa que existe um relacionamento, um intercâmbio entre pessoas. O Deus do Cristianismo é exatamente esse Deus pessoal, o Deus que não é uma força inconsciente que se confunde com o Universo, mas um Deus inteligente (o designer da Criação) e relacional, um Deus que se relaciona e um Deus que ama.

E se existe um relacionamento, existe também responsabilidade. Todo relacionamento requer responsabilidade. É exatamente dessa responsabilidade que a religião filha da Pós-Modernidade quer fugir, apontando para um deus sem rosto, um deus sem relações.

Outro motivo pelo qual a sociedade atual, fruto da crise deixada pela antecessora Modernidade, a qual clama por espiritualidade, é atraída pela pregação da Nova Era, é porque ela desconhece a profundidade da Mística Cristã. Muito fala-se em Buda, Allan Kardec, Paulo Coelho e Dalai Lama, mas não se conhece os escritos de místicos cristãos como Teresa de Ávila, Teresa de Lisieux e João da Cruz. Fala-se em Richard Dawkins, Christopher Hitchens, Sam Harris e Daniel Dennett (os quatro cavaleiros do famigerado Neo-Ateísmo), mas pouco se conhece de C. S. Lewis, William Lane Craig, Alvin Plantinga e Norman Geisler, importantes autores filósofos cristãos. Mas este é um assunto da próxima mensagem, continuação desse post...

Em breve criaremos um canal no Youtube com postagens de vídeos tratando de Filosofia e Espiritualidade. Continue conosco. 


Ler a continuação: A necessidade de uma Filosofia Mística para os dias de hoje (Segunda Parte)