OITAVA PARTE. DA DISTINÇÃO ENTRE A EXPERIÊNCIA ESTÉTICA E A EXPERIÊNCIA DA ESPIRITUALIDADE
Quando me refiro à espiritualidade, não a concebo tão somente como um movimento solitário da alma em direção ao Absoluto, isto é, ao Deus pessoal e transcendente, tal qual nos apresenta a maior obra já escrita sobre o assunto, ou seja, a mística profunda de João da Cruz, mas, também, como um movimento em conjunto, sinérgico e coeso, que constitui uma filosofia a qual, amparada na solitude, é também uma espiritualidade de relações. Constitui, desse modo, a rica espiritualidade de João da Cruz e Orígenes, uma estrutura que se complementa e se acaba em um sentido de comunidade, de unidade e de grande cultura.
A espiritualidade, a vemos, no silêncio dos tranquilos mosteiros, nas conversações animadas dos grupos de jovens das pequenas comunidades cristãs, onde as expectativas em relação a Jesus e a constante onda dos entretenimentos ruidosos misturam-se. Sendo, desse modo, o sentido contemporâneo de espiritualidade algo profundamente vinculado às relações, faz-se necessário distinguir a experiência superficial estética da experiência mais profunda de espiritualidade.
Toda experiência mais profunda de espiritualidade coletiva contemporânea estará vinculada, inevitavelmente, às sensações. A experiência de comunidade é a experiência da proximidade, da celebração festiva, do olhar que acolhe, do colóquio e do abraço, onde manifesta-se o amor ágape. É inevitável, portanto, que ao participar de uma celebração festiva, o jovem confunda a experiência de espiritualidade com o sentimento estético, sendo, este, extremamente semelhante àquele, o qual, porém, diferentemente da mística mais profunda, não se fundamenta em um amor radical ao humano, manifestação cristológica própria da grande cultura, mas apenas aspira ao entretenimento contínuo, em um espírito de camaradagem de superfície onde uma coesão é iniciada, mas jamais se concretiza, e onde apenas se acena ao superficial, ao protagonismo e ao esquecimento, pois todo entreter-se contínuo é o esquecimento, quer do sentido de estar no mundo, quer do elevar-se a ser buscado, quer do encontro a ser iniciado.
Na experiência estética, parece haver entrega, e amor verdadeiro, mas realiza-se tão somente uma coesão que, sendo unidade, fundamenta-se apenas no sentido da superfície, e jamais avança para além disso. É inevitável, portanto, que aquele que busca a verdadeira coesão, com o passar do tempo encontre, nesses ajuntamentos, somente tédio e vazio, e deles se afaste, passando a cuidar tão somente de sua própria individualidade. Contudo, agora será, a própria cultura, isto é, a grande abertura, o sentido de comunidade, e não mais os grupos institucionais fechados que, continuando a existir, deixarão entretanto de ser símbolo de liderança e refúgio, continuando a ser importantes, porém exercendo, na cultura, um outro papel, o qual explicitaremos adiante.
Será, a experiência cultural neomedievalista, o verdadeiro sentido da espiritualidade, movimento que, progredindo em direção à alteridade, e em direção ao próximo, realizará, de maneira verdadeiramente surpreendente, a única expectativa em relação ao humano.