domingo, 3 de junho de 2018

Os caminhos da filosofia cristã contemporânea

Na filosofia cristã, não basta que se discorra sobre Deus com raciocínios originais e plausíveis. É preciso que a presença de Deus esteja onipresente, e que as páginas do texto estejam impregnadas do Espírito Santo. Nesse sentido, alguns dos filósofos cristãos modernos mais conhecidos parecem ter tomado um rumo incerto na História. Fala-se sobre Deus com alguma originalidade e apreensão do sentimento da contemporaneidade – o que é sumamente importante em filosofia –, mas perde-se o significado e a essência.

Nesse sentido, a safra de alguns destacados filósofos cristãos contemporâneos, que atuam em um âmbito notadamente lógico e apologético, tem muito mais a dizer à filosofia cristã do que os filósofos modernos mais famosos que os antecederam, cujas ideias foram mais aproveitadas pelos céticos do que pela comunidade cristã que anseia por águas vivas.

Assim, é importante combinar originalidade, racionalidade, capacidade de apreensão do sentimento da contemporaneidade com ousadia, ortodoxia e, principalmente, capacidade de não ser árido, secularizado e infértil. Isso é um desafio de grandes proporções, pois não é fácil reunir todas essas habilidades ao mesmo tempo. Muitos filósofos e teólogos discorreram sobre assuntos cristãos com originalidade e compreensão do sentimento de contemporaneidade, demonstrando a incrível e necessária capacidade de renovar a linguagem, mas não foram ao essencial e parecem, no caminho da História, ter se perdido. Outros, ao contrário, permaneceram ortodoxos e essenciais, mas caíram no erro do fundamentalismo, que é a incapacidade crônica de renovar a linguagem e de apreender o sentimento de contemporaneidade, o que os torna incompreensíveis aos que vivem no mundo atual, uma sociedade tão diferente do mundo antigo.

Quais filósofos cristãos reuniram todas essas habilidades necessárias aqui apontadas? Poucos o fizeram.

É preciso também que se rompa com os filósofos seculares modernos, e que se deixe de ser influenciado por aqueles que pouco têm a contribuir para a estruturação de um pensamento cristão original e relevante. Pois se a filosofia e a teologia cristã desenvolvidas forem “mais do mesmo”, que importante contribuição original darão ao mundo? Há, entre os cristãos, potencial para se desenvolver muito mais.

O fato de os citados filósofos cristãos modernos terem se perdido na História pode talvez ser explicado pelo fato de não terem vivido em uma época fácil para o Cristianismo. A comunidade cristã recebeu um grande golpe, e o humanismo radical então vigente tornou quase impossível à filosofia cristã um pensamento sereno e lúcido. Hoje, com o distanciamento do tempo, é possível, em retrospectiva, lançar um olhar mais lúcido e sereno sobre a História, e produzir uma filosofia que se oponha radicalmente à ruidosa filosofia ateísta, que é destituída de solidez metafísica e carece de sentido. Isso pode explicar, em parte, o aparente fracasso da filosofia cristã moderna, ainda que ela tenha o seu lugar e importância relativa na comunidade cristã por ter permanecido, mesmo que de forma desajeitada, corajosamente teísta.

Hoje, em filosofia cristã, a apologética está na ordem do dia, e há pensadores atuais que têm se demonstrado gigantes do pensamento ocidental, o que é uma constatação agradável às expectativas cristãs. Mas é necessário que a filosofia cristã não se limite à apologética. É necessário também que haja um maior aprofundamento na espiritualidade, bebendo-se dos místicos – essa é a necessidade maior de todas –, e que se desenvolva uma filosofia voltada para as demandas do sentimento da contemporaneidade, erigindo uma sólida Filosofia da História e uma leitura sociológica puramente filosófica.

É necessário que a filosofia cristã torne-se relevante como nunca foi antes. É preciso superar Agostinho e Tomás de Aquino. Será isso possível? Sejamos otimistas. Se a religião cristã é essencialmente escatologia, por que a filosofia cristã precisa viver do passado? Por que Agostinho e Tomás de Aquino não podem ser superados? É preciso que a filosofia seja estimulada nas instituições cristãs como nunca foi outrora. É necessário que as igrejas, a escola dominical, os colégios e as faculdades cristãs sejam centros sérios de formação em ciências e em filosofia. Se não existem instituições assim, é necessário que sejam criadas. É preciso que pensadores cristãos surjam às centenas. E é urgente que, assim como existem inúmeros pastores, ministros de louvor e teólogos bíblicos comprometidos com a cristologia, também haja, do mesmo modo, vários cientistas e pensadores, e não poucos estandartes, que caminham incompreendidos, solitários e cansados, na árdua tarefa de anunciar uma mensagem que é pouco compreendida pelos céticos, porque falam outra língua, e também pouco compreendida pela maioria dos cristãos, porque pouco se interessam pela apaixonante e árdua missão acadêmica.

O Brasil vive atualmente um período sem precedentes de divulgação popular da filosofia. Vivemos também uma era em que as pessoas clamam por espiritualidade e, desconhecendo a profundidade da mística cristã, aderem a espiritualidades rasas e alternativas. É preciso utilizar toda essa conjuntura a nosso favor. Aos místicos e às profundidades da filosofia! João da Cruz, Teresa de Ávila, e tantos outros, devem ser cuidadosamente estudados e compreendidos. E é preciso um olhar crítico sobre a contemporaneidade, que seja profundamente acadêmico, mas também profundamente enraizado nas águas profundas do Espírito Santo.

Jamais existiu, na verdadeira filosofia cristã, contradição entre razão e espiritualidade. Isso é um mito moderno. Basta ler, por exemplo, Confissões, de Agostinho, e perceber-se-á a coesão nítida e profunda entre devoção e racionalidade.