segunda-feira, 12 de setembro de 2022

MANIFESTO MÍSTICO

Cristologia e Contemporaneidade: Estruturas do Cristianismo Contemporâneo e as duas Igrejas do futuro

 

Anderson Francisco Paiva de Souza

 

 

Prefácio

 

A guerra é mental. Realiza-se na escuridão

Existe certa beleza no ateísmo, que é o sentimento de ser puro. Explico. O ateísmo permanece corajosamente árido no que se refere à possibilidade da ambiguidade. Sendo cristalino, o ateu permanece mais claro do que os cristãos da pós-modernidade. Nesse caso, a exceção são os cristãos místicos.

Os místicos herméticos, na maioria das vezes, desconhecem a dúvida. Foi o próprio hermetismo que a inventou; sendo, o místico hermético, um não cético, ele introduziu lentamente a dúvida na mentalidade cristã de cultura por cerca de oitocentos anos, desde Francesco Petrarca, nascido logo após a morte do último dos grandes cristãos filósofos, Duns Scoto, inaugurando um período de oito séculos sem que se produzisse um filósofo cristão sequer; durante essa lenta destruição do sentimento da Igreja, sucediam-se admiravelmente Pico de la Mirandola, Marsilio Ficino, Nicolau de Cusa, Francis Bacon, até que Descartes, finalmente, estabelecesse a dúvida; foi Francesco Petrarca quem concebeu a ideia de que a era da Igreja, ou seja, a Idade Média, era a Idade das Trevas. Foi, nesse sentido, um visionário, um gênio. Séculos depois, no século XVIII, o sentimento de Kant e de Voltaire era de que o Iluminismo seria uma era das Luzes da Razão como oposição às trevas da superstição, a saber, a fé em um Deus que não pode ser conhecido, por transcender a experiência; a negatividade é a teologia mística apofatica neoplatônica e hermética, que iludiu até mesmo Tomás de Aquino – influenciado por Dionisio Areopagita –,para quem Deus não pode ser efetivamente conhecido,  a não ser por analogia; para o Iluminismo, as luzes não são a Igreja, mas algo distinto dela; construir-se-ia, lentamente, simbolicamente, a ideia de que o que para a Idade Média era luz, são trevas, e o que para ela eram trevas, agora são luz; o raiar de uma nova aurora, uma estrela que pode não mais ser estabelecida como decaída, como o abismo do esquecimento; a alquimia renascentista, como a cruz e como a rosa, instituiu aquilo que era proibido na Idade Média; o sentimento da alquimia como contracultura.

Foram os místicos alemães, diferentes de Teresa de Ávila, que inspiraram uma espiritualidade para um novo mundo; a profundidade mística luterana insurge a partir da invenção do humanismo, projeto alquímico; posteriormente, no Iluminismo, aqueles imanentistas herméticos que tinham mais fé, foram os que estabeleceram a dúvida para os cristãos.

Durante oitocentos anos, os cristãos assistiram covardemente e emudecidos ao mais belo espetáculo dos filósofos herméticos, sem que se produzisse, entre os cristãos, nem mesmo um filósofo. O longo exílio da filosofia cristã de cultura. Abriram-se os caminhos para Hegel e seu neoplatonismo de superestrutura.

Eu admiro esses filósofos. Destruíram argumentos e toda pretensão que se levanta contra o conhecimento do Aión e levaram cativo todo pensamento, para torná-lo obediente ao Chrónos. Desde o Renascimento, o Cristianismo perderia todas as batalhas, não no campo da salvação, mas na área da cultura. Disseram que foi a morte de Deus. Mas foi também a morte da Igreja.

Contudo, em 15 de novembro de 1932, nascia Alvin Plantinga.

 

Cristianismo e Neoplatonismo antigo. Batalha perdida

 

A alma do mundo é um conceito estrutural para o hermetismo, que está em Pitágoras, Platão, no neoplatonismo, em Hegel, Helena Blavatsky e Mário Ferreira dos Santos.

O médio platonismo, a escola alegórica de Alexandria e o pensamento de Filon constituiram uma efervescência cultural que inspirou gerações. Origenes, ao mesmo tempo, estabelecia as bases para uma mística unitiva genuinamente cristã e esponsal. Amonio Sacas fundava uma escola filosófica hermética e, a partir dela, Plotino fundamentou o Neoplatonismo. O hermetismo tornava-se, então, filosofia de potência contra a cultura, ameaçando sutilmente uma mística cristã nascente. Surgiam Proclo, Jamblico, Porfirio, Dionisio Areopagita e, enfim, os desafios da negatividade apofatica hermetica, do Uno como o Deus ambiguo  e nebuloso do ponto de vista filosófico,  espiritualidade imanentista como emanação teurgica e todos os seus sutis encantamentos; o hermetismo a partir da figura mítica de Hermes Trismegistos, o três vezes grande, e a sabedoria da Cabala também nasciam; o Cristianismo conviveu com tudo isso e foi lento para discernir o abismo neoplatônico que então se insurgia, e que enganaria Tomás de Aquino; se tivesse percebido essas sutis raízes de contracultura, o Renascimento de Francesco Petrarca jamais teria logrado êxito, e hoje teríamos, sim, uma mui elevada mística cristã de cultura; isso agora somente será possível, tendo-se em vista todos esses atrasos da História, que pressa pede, através da fundamentação que aqui exponho: o que agora está apenas nascendo, a cultura profunda do Neomedievalismo.

 

Cristianismo e Neoplatonismo renascentista. Batalha perdida

 

Giordano Bruno foi um dos grandes herméticos de seu tempo. Sua condenação não se deveu à ciência, mas à alquimia.

Pico de la Mirandola, Nicolau de Cusa e Marsilio Ficino foram também neoplatônicos e a cultura humanista então insurgente jamais foi bloqueada pela própria Igreja.

O humanismo instaurado nunca mais estará, a partir de então, ausente do Ocidente. Todos aqueles reformadores participaram dessa revolução, e também estavam conscientes do que realizavam. Martinho Lutero e a rosa e a cruz e a alquimia, a mística profunda alemã. A história já não era mais totalmente sacra, mas originalmente  humana.

Alguns fatores históricos dificultaram a reação da Igreja; entre eles, o heliocentrismo de Galileu, que demoliu as estruturas de uma cosmologia excessivamente aristotélica; isso desnortearia o catolicismo desde aqueles tempos até hoje, um trauma histórico; a burguesia acumulava, então, capital político, e apoiaria revoluções determinadas; o século XVII, da cruz e da rosa, possui seus grandes manifestos, assim como, nos tempos mais recentes, depois do fim de uma grande diáspora, os sábios possuem seus protocolos; o conhecimento da Arábia emocionaria a cultura nascente da espiritualidade da Alemanha; foram os místicos alemães aqueles que tiveram mais fé, e se autointitularam místicos; o pensamento de João da Cruz ficaria restrito aos mosteiros e não emocionaria os anseios por uma liberdade secular; o conhecimento cabalístico, o hinduísmo, o taoísmo, o budismo, o sufismo, o neoplatonismo teúrgico, a teologia apofática hermética,  o spinozismo, o leibnizismo, o Romantismo Alemão, o Idealismo Alemão, a Nova Era, a Yoga, o thelema, a meditação transcendental, o Movimento Novo Pensamento e as leis herméticas e a lei da atração não teriam emocionado João da Cruz; juntamente com a sabedoria babilônica, egípcia e a Wicca, permaneceriam, para o Doutor Místico da Igreja, motivo perpétuo de lástima, até mesmo riso ou esquecimento, incapaz de conhecer os caminhos da união mística efetiva divina.

Inaugurando a própria modernidade filosófica, Descartes institui a dúvida como método acadêmico; os católicos não poderiam discernir essas coisas; estavam fascinados por Aristóteles; esqueceram-se rapidamente de que a mística é, ela mesma, o único Cristianismo que realmente existe; quando a Igreja esquece-se de que é essencialmente mística, qualquer batalha pode ser perdida; João da Cruz reagiria poderosamente, fundamentando a monumentalidade mística; mas foi menos estudado do que a cosmologia aristotélica.

Terá Jesus concedido uma defesa para a Igreja contra a sutil ciência da alquimia? Sim, ele instituiu o Carmelo e chamou João da Cruz. Basta que se estudem os livros. E, também, que se leve a sério cada palavra do que ali é exposto.

Em relação ao problema cosmológico, não é difícil perceber que o mundo humano não é cosmológico; não é mecanicista. Matematizamos o mundo. Mas a matemática precede o mundo.

 

Cristianismo e modernidade. Batalha perdida

 

Francis Bacon propõe um novo Organon; Descartes inventou a dúvida; é arquiteto por excelência do sentimento cético perene da própria modernidade; o panteísmo de Spinoza inaugura o neoplatonismo moderno e Leibniz propõe uma metafísica obscura; o racionalismo hermético será contraposto pelo empirismo britânico, que é ceticismo; o ceticismo de Hume contestará não somente a metafísica, mas to próprio conhecimento; será, finalmente, o gênio de Kant que solucionará todas essas aporias dialéticas epistemológicas históricas; bloqueando o Transcendentalismo, derrubando o acesso ao Deus que está fora do espaço e do tempo, institui objetivamente a própria morte Deus na cultura, abrindo os caminhos para que, após as tentativas de Fichte, Schelling e de todos os místicos, poetas e estéticos alemães, Hegel institua, finalmente, o Sistema, a monumentalidade metafísica hermética, neoplatônica, isto é, o Imanentismo filosófico  de profundeza; finalmente conseguiu-se derrubar a monumentalidade de Tomás de Aquino; o novo mundo agora é nova religião, sentimento de ser portador do Saber Absoluto; o ser finito, posto pelo Espírito Absoluto, agora é toda a realidade; Deus tornou-se ambíguo, obscuro, neoplatônico; o ateísmo moderno é apenas um véu; obscurece o mais profundo sentimento romântico de Goethe e Schiller; desconhece o hermetismo de Mestre Eckhart, Paracelso e Jakob Böhme; o ateísmo de Nietzsche apenas nos entretém com um ceticismo que, por todos os místicos alemães, sequer foi conhecido; o falso Cristianismo de Kierkegaard afirma que o conhecimento da Igreja é absurdo; Hegel afirma que o conhecimento da nova religião é Razão.

 

Cristianismo e pós-modernidade. Batalha perdida

 

Whitehead afirmara, de acordo com a religião de Hegel, que tudo é processo; imanentismo cósmico analítico; a irmã de Henri Bergson é próxima a Samuel Liddell MacGregor Mathers; o autor de As duas fontes da moral e da religião  foi um dos principais herméticos daquela geração; G. K. Chesterton e C. S. Lewis não inventaram a apologética; a filosofia cristã somente será instituída por Alvin Plantinga; G. K. Chesterton e C. S. Lewis não produziram apologética, mas literatura; a literatura de C. S. Lewis está para J. R. R. Tolkien e J. K. Rowling assim como a literatura de Chesterton está para o sentimento de que no futuro somente existirão duas Igrejas; sempre serão duas; o ateísmo, sendo sentimento puro, produz, apesar disso, a nebulosidade do conceito na cultura, no que se refere a seu desconhecimento completo do que é o hermetismo místico determinado que, tal qual a Igreja, também move o mundo. Por que vivemos ainda na cultura cristã ocidental, e não na cultura ateísta ocidental, tampouco na cultura hermética ocidental? Porque o ateísmo jamais institui a cultura, mas tão somente a contestação, enquanto o hermetismo é alquimia como motor da contracultura; isto denomina-se Renascimento; o ateísmo, ao se utilizar das leis da matemática e da lógica, esqueceu-se de questionar de onde a matemática e a lógica surgiram; encantando-se com a matéria, investiga-a a partir da mente e da consciência, que são, elas mesmas, qualquer coisa que não matéria; estuda as leis do Cosmos e da matéria a partir da matemática, mas a matemática não é matéria.

Helena Blavatsky encantou-se com a cultura ariana mesma, com o Tibete e a Índia, mas explica o universo a partir da cosmologia moderna, atribuindo-a aos mitos do Oriente, mas o Oriente antigo não pensava assim; o Cristianismo é mais sincero nesse aspecto; jamais cogitou afirmar que Moisés, por exemplo, conhecia o Big Bang; a filosofia cristã afirma que a revelação divina é progressiva; Blavatsky ensina que o hermetismo antigo é originário e já possuía as origens da religião e da ciência; o estudo crítico da História demonstra que tudo isso foi desenvolvido progressivamente.

G. K. Chesterton, em seu livro de contos A inocência do padre Brown, de preço  acessível e disponível para o escrutínio público, no seu conto O olho de Apolo, assim afirma, citando as palavras do sacerdote Apolo contra o padre Brown:

“Encontramo-nos por fim, Caifás – declarou o profeta. – A sua igreja e a minha são as únicas realidades deste mundo. Eu adoro o sol, o senhor adora o escurecimento do sol, o senhor é o sacerdote dos moribundos, eu sou o sacerdote do deus vivo. O seu presente trabalho de suspeita e calúnia está de acordo com a sua veste e o seu credo. A sua Igreja mais não é que uma negra polícia, um conjunto de espiões e detetives que a única coisa que desejam é arrancar aos outros confissões de culpa, seja por meio da tortura ou da traição. Os senhores querem acusar os homens da prática de crimes, eu quero acusá-los da inocência. Os senhores querem convencê-los do pecado, eu quero convencê-los da virtude. Leitor de livros do mal, uma palavra mais, apenas antes de eu fazer desaparecer para sempre os seus pesadelos sem fundamento. Nem por sombras é o senhor capaz de compreender o pouco que me importa que possa acusar-me ou não. As coisas a que chama desgraça e horrível condenação valem para mim o mesmo que vale para um homem adulto um ogre de uma história infantil.”

Depois de algumas linhas, nesse curioso conto literário, assim se afirma:

“Era a primeira vez que Flambeau via o padre Brown ser derrotado. O sacerdote permaneceu sentado a olhar para o chão, a testa coberta de rugas e de dor, como que envergonhado. Era impossível escapar ao sentimento que as palavras do profeta tinham fomentado: o de que o homem taciturno que era um profissional da suspeita tinha sido vencido pelo espírito orgulhoso e superior, amante da saúde e da liberdade natural”.

O que o ateu teria a dizer sobre isso? Obviamente, nada. Ele sequer entendeu. Pois se o cético se considera muito sagaz, ele é ainda mais lento para discernir o oculto do que o próprio cristão mediano. Instigante mistério! Se somente existem duas igrejas, e toda essa Babilônia, e nada mais existe nesse mundo, toda a história humana não passa de um conflito invisível entre o Chrónos e o Kairós, entre o  Aión, ou para irmos muito mais longe, entre a frágil rebelião de Daniel 8 e a plenitude absoluta de Efésios 1, a qual se concretizará no milênio, a partir do Terror que já existe agora. Império absoluto da Igreja, domínio invencível do Kairós. A virtude da Igreja do futuro não será o amor, mas a outra extremidade determinada,  sentimento contra quem  sobe do mar, e especialmente contra quem já não é luz, mas um falso amanhecer.

A primeira Guerra Mundial de 1914 pode ser um símbolo de um princípio de dores para a humanidade, e a partir de então a ordem e o progresso positivista de Comte estarão em xeque; batalhas e guerras sempre existiram; abordamos o embate da filosofia cristã com o neoplatonismo; porém uma Grande Guerra pode também ser definida como um conflito entre duas grandes potências, seja guerra fria, seja efetiva, efetividade entre aquelas que são as duas únicas realidades desse mundo; a arma para a guerra da Igreja é a própria filosofia mística estabelecida no segredo de uma ciência elevadíssima de oração; os Fundamentos da Guerra constituem conhecimento de alto preço, invisível para o inútil cristão mediano, a saber, o falso cristão, o qual jamais foi sequer convertido; o discernimento é para os fortes e para os que têm coragem para amar a verdade; o pós-guerra constituirá a era transitória pós-moderna, era líquida, era da superficialidade, do imediatismo, da arrogância, do ódio e do ressentimento, mas principalmente da mentira; o amor à mentira, principalmente dentro da Igreja, e um amor adocicado e teatralizado por Jesus, mistura do Bem e do Mal, água com fel e açúcar, afetado e fingido, atrativo, enganador, ambíguo, muito parecido com o mel dos místicos, mas cujo sabor é no fim amargo até a morte, sutil e traiçoeiro, diluído, e tem como característica precípua denunciativa o fato de que jamais se concretiza no mundo espiritual, pois é ódio sutil à mística determinada no próprio mundo, e é um com o Aión, escravo predileto do Chrónos; esses constituem a principal característica do grande teatro da pós-modernidade; o ateu tem mais crédito, talvez seja salvo; o cristão mediano, jamais conheci.

 

O cristão mediano: uma invenção pós-moderna

 

Concordando com Zygmunt Bauman, um dos gênios para o nosso tempo, e aplicando a fluidez para a Igreja, podemos dizer que o cristão pós-moderno constitui, simbolicamente, o maior de todos os abismos da pós-modernidade. O que é o amor líquido? Foi o cristão mediano quem o arquitetou; vivemos na própria cultura ocidental cristã; podemos ver isto, até mesmo, na própria cultura Worship; se a recente renovação litúrgica e o movimento contemporâneo de adoração foi o maior avivamento de toda a história da Igreja, mas jamais concretizou, mas apenas iniciou comunidades, isto é, transformou o sentimento em relação ao humano, mas não a vontade, isto significa que também há na Igreja um conhecimento informal que é suave e descansada mistura entre o Bem e o Mal, a aposta nos dois lados da moeda, a melhor e a pior versão, que não é o estar separado do mal, e não realiza a verdadeira santidade mística como kadosh, como adoração efetiva, ciência de oração para a Igreja. Explicarei a seguir qual foi a origem histórica desse recente sentimento.

O Cristianismo perdeu todas as guerras desde o Renascimento, não no campo da salvação, mas da cultura, porque não discerniu os espíritos, os tempos e, muito menos, o Chrónos. O mesmo poderia ocorrer agora? Esse é um alerta para o nosso tempo: é imperativo afastar-se da mediania. Sim. Jesus está muito mais próximo, hoje, do jovem hedonista do que do jovem que vai à Igreja e vive uma falsa experiência mística, isto é,  aquele que expressa o que não é efetivo dentro de si, a saber, o amor concreto; nesse sentido, há um descortinar que a Igreja ainda não compreendeu, no sentido mais profundo de qual é o verdadeiro sentimento das pessoas: para quem está no mundo, no oikoumene, a experiência de Jesus está mais nas pequenas gentilezas do que nos grandes atos heroicos; isso é também efetivo em relação ao próprio ateísmo; afinal, Jesus disse:

"Eu vim a este mundo para julgamento, a fim de que os cegos vejam e os que vêem se tornem cegos".

 

Alguns fariseus que estavam com ele ouviram-no dizer isso e perguntaram: "Acaso nós também somos cegos? "

 

Disse Jesus: "Se vocês fossem cegos, não seriam culpados de pecado; mas agora que dizem que podem ver, a culpa de vocês permanece".

 

Esse é o grande trunfo da essência ateísta, desconhecido pela Igreja pós-moderna. Se o ateu for sincero, Jesus o salvará no último dia.

 

O julgamento de Jesus não é o batismo com água de arrependimento de João Batista, mas o batismo de fogo, ou seja, de julgamento, de prova e de sondagem do espírito; as obras dessa geração  serão mostradas, porque o Dia a trará à luz; pois será revelada pelo fogo, que provará a qualidade da obra de cada um. Se o que alguém construiu permanecer, esse receberá recompensa. Se o que alguém construiu se queimar, esse sofrerá prejuízo; contudo, será salvo como alguém que escapa através do fogo. Isso se possuir o único e suficiente alicerce que está posto, a saber, Jesus,  aquele que efetivamente ilumina a todos os homens que vêm ao mundo, e não apenas a Igreja, e pode, através do mistério da cristalina e autêntica amabilidade misericordiosa, ser indiretamente conhecido; portanto, o sentido é alegórico: se os cegos agora vêem, esses são os que estão fora da Igreja, estão no mundo, mas vêem Jesus; se os que vêem se tornam cegos, significa que, dentro da Igreja, toda sutil aparência mística adocicada e religiosa na realidade não concretiza a visão mística, que é o amor sólido; os cegos que estão no mundo desconhecem esse pecado, porque são sinceros; os que estão dentro dessa Igreja e dizem ver são culpados perante Jesus, porque tiveram a oportunidade de entender; possuem, inclusive, a chave do conhecimento, mas não conheceram; esse pecado se denomina mentira.

 

Esse é o problema da religião institucional dos tempos de Jesus e também dos tempos de hoje; como solucionar isso? Afastando-se do cristão mediano. Evitando-o para sempre.

 

Verdade é que os esforços de todos aqueles místicos herméticos, notadamente alemães, filósofos neoplatônicos, pensadores humanistas e reformadores minaram a sensação até então, na prática, inquestionável, na Idade Média, da onipresença de Deus na cultura; no período medieval, Deus era respirado pela cultura, nada menos que isso, era, sim, conhecido, e Jesus era efetivo, em que pesem as muitas contradições determinadas; contudo, mesmo no mais árido racionalismo cartesiano do século XVII, em meio a todas as revoluções científicas instituídas por Galilei Galileu, o sentimento da vida de Deus, na Europa, ainda era extremamente sólido, muito forte, significativo; tornava-se burguês, antiescolástico e também intramundano, para utilizar a terminologia de Max Weber, mas ainda assim não havia nada sequer parecido com uma morte de Deus na cultura; a mística alemã também não estava conseguindo ser plenamente efetiva em sua proposta de minar o Transcendentalismo, através de uma metafísica imanentista, porque a Europa permanecia ainda efetivamente cristã, nessa transição, pois conhecia, até as raízes, o impacto de Jesus na própria cultura, mesmo que já de maneira renascentista, protestante e humanista; após a dúvida metodológica de Descartes, não bastava propor uma metafísica spinoziana ou leibniziana; a cultura ainda contemplava a cruz, sem a rosa da razão secularista; então foi necessária outra tática de guerra, que transcendesse o próprio antropocentrismo renascentista luterano; como a Alemanha e sua hermética não se efetivavam concretamente no século XVII, então a França produziu, no século XVIII, a Revolução Francesa e o Iluminismo, radicalizando a proposta de um império secular; Hume já propora, ousadamente, o agnosticismo epistemológico de cultura; Voltaire volta-se para um deus arquitetônico, porque deísta; esse Deus não é a mística profunda alemã, é francês, é outra coisa; a espiritualidade germânica é muito mais profunda; então, finalmente, o protestantismo produzirá Kant, aquele que efetivará a morte de Deus no Ocidente, através de sua crítica de cultura; enfim é derrubada a monumentalidade de Tomás de Aquino, através de um projeto comum a todos os aqueles filósofos modernos; é o mesmo projeto, descontração da escolástica tomista medieval; o mundo já não é mais realista, mas idealista, dialético, fenomênico; Fichte e Schelling encarregar-se-ão do prosseguimento ao projeto de Kant; tendo-se destruído o Deus cultural Transcendente, abre-se caminho para que o neoplatonismo moderno de Spinoza penetrasse profundamente na Alemanha, através da querela do panteísmo, com Mendelsson e Jacob, e o sentimento de Mestre Eckhart,  Paracelso, Böhme, Goethe, Schiller e  Hölderlin finalmente se tornava uma teosofia profundamente cabalística, hermética, imanentista, neoplatônica no sentido moderno da Razão, o sentimento do Brahma cósmico e do próprio hinduísmo; Jesus já não fazia qualquer sentido para o Romantismo alemão; o mais antigo sistema e programa do Idealismo alemão é antigo; já existia em Kant; Imannuel Kant exaltava, em seu prefácio à primeira crítica, o espírito de profundeza ainda, em sua época, não extinto na Alemanha e a metafísica de Wolff; também afirmava, na mesma Crítica da Razão Pura, em sua primeira edição, manuscrito A, que havia um certo mistério em sua Crítica, que é a de que essa obra deveria ser sucedida por um sistema completo de metafísica; o sentimento de Kant nada tem em comum com o ceticismo de Hume; Fichte e Schelling tentaram produzir um sistema para o antigo programa, mas não conseguiram; toda aquela geração romântica tentou fundamentar o próprio Deus imanente, que é um com o mundo; Holderlin, Schelling e Hegel encontram-se na faculdade de teologia protestante de Tübingen e expandem a proposta do misterioso Idealismo Alemão hermético romântico, impregnado de Böhme e Goethe; Fichte e Schelling não conseguiram; será Hegel quem conseguirá modernizar o hermetismo de Proclo, a profundidade neoplatônica de contracultura, e resolverá todas as absurdas contradições de Spinoza, as quais anulavam a diferença; disputando com Schelling, Hegel desprezará depois sua antiga amizade, diferentemente do dom que unia C. S. Lewis  e J. R. R. Tolkien; Hegel não é panteísta; seu imanentismo filosófico de superestrutura é muito mais sofisticado e profundo, porque essencialmente místico e neoplatônico, difícil de ser contestado; produzirá finalmente o Sistema; sua própria Ciência da Lógica já proporá a contradição; é intrincado, dialético; nada tem em comum com Feurbach e Marx; a filosofia analítica cristã o subestimou e sequer tentou compreendê-lo. Nem o poderia, porque precisava estabelecer primeiramente as bases, as provas. Nesse sentido, Alvin Plantinga é, incontestavelmente, o maior gênio de nosso tempo. Acredito que Hegel seja maior do que Whitehead. Junto com Helena Blavatsky, é um dos guardiões do sentimento e pensamento de contracultura.

 

Foi a revolução de Kant que permitiu que existisse hoje esse abismo, que é a existência do cristão mediano pernicioso, cuja função precípua é atrapalhar a Grande Guerra.

 

Explico.

 

Após as duas grandes Guerras Mundiais, Auschwitz, Hiroshima, regimes totalitários de esquerda e de extrema-direita, o delírio secular iluminista positivista e o sonho de uma ordem e progresso sem Deus entraram em declínio,  inaugurando a era líquida moderna da Guerra Fria, o abismo da incerteza da pós-modernidade, era desconstrutivista do significado da teoria como possibilidade de compreender o próprio mundo, epistemologia rigorosa e científica, morte de todas as metanarrativas, relativismo niilista de fim da possibilidade moral no sentimento humano enquanto ética despedaçada, razão prática fracassada, império telemita da dúvida, ausência de segurança e expectativa de uma Cruz que acolha misericordiosamente o mundo; ora, esse império da dúvida agora não realiza um sentimento de ateísmo nietzschiano, mas uma perspectiva de Deus muito parecida com o sonho de John Caputo; é impossível que a certeza da existência de Deus subsista na cultura pós-moderna, apenas por causa de Kant; não por causa do ceticismo de Descartes ou de Hume, mas devido a Kant; e esse é o sentimento originário da invenção líquida do cristão mediano do século XXI; ele não acredita que Deus exista de forma objetiva, de modo efetivo e concreto; ateísmo prático disfarçado de alta espiritualidade, ele jamais levará à sério a tese da radicalidade mística que existe em Francisco de Assis e Teresa de Liseux, ou a mística esponsal de Teresa de Ávila e suas Moradas do Castelo Interior, cuja entrada é a oração, conhecimento de ciência altíssima, suave e contemplativa, o único amor invencível a Jesus; para os místicos, Jesus é habitual, normal, porque muitas vezes no dia encontrado, portanto bem conhecido, a ponto, inclusive, de o místico jamais ser por ele surpreendido; o cristão mediano despreza essa mística porque está imbuído de uma experiência mais interpretativa e teatral da experiência de vida, como que de um sonho, e ama a Jesus de um modo peculiar e distinto da espiritualidade cristã efetiva, que é o sentimento dos místicos; ele admira Jesus de algum modo, mas jamais o conheceu de forma concreta, isto é, efetivamente, e não acredita em sua existência como solidamente evidente na cultura mesma, mas o tem em uma perspectiva enfeitiçada, onírica e hipnótica; portanto, infantil, rasa, ambígua, não totalmente clara, não se alçou até o conhecimento, é nebuloso, jamais confiável, é mistura, é claro que é mentira, voluntária; é mentira; estratégia para fugir da ira, da prova final, batismo; e ainda assim, imitando os místicos, que raramente existem – se é que exista algum outro hoje no mundo,  e isto é efetividade –, com eles compete,  através de um sentimento de simbiose perene, irremediável; jamais trevas ou luz – nunca o intentaria –, mas penumbra; por mentir, realiza a única essência realmente ontológica do anticristo, que é a de não ser o oposto de Jesus nitidamente, mas parecer-se muito com ele; por isso, nem mesmo os místicos herméticos conseguirão causar tanto mal e sentimento ambíguo ao sentido do que é a Igreja quanto é a mais iníqua de todas as invenções pós-modernas: o sentimento profundo e raso do cristianismo mediano, o Aión informal e não determinado que também age no mundo, sem conhecimento planejado, sem inteligência e ciência concreta,  porque jamais estudou qualquer coisa; desconhece qualquer espécie de sentimento de magia; é, portanto, determinadamente, o verdadeiro Abismo da Igreja.

 

O místico hermético, realizando o Aión formal como arquiteto do Chrónos, também presente todos os dias na vida da Igreja, é um outro sentimento; calcula; planeja; jamais subestima a verdadeira essência dos cristãos místicos.

 

 

Alvin Plantinga. Batalha vencida. Morte do ateísmo.  Cristologia hoje. Já inaugurou-se o Neomedievalismo

 

Contudo, em 15 de novembro de 1932, nascia Alvin Plantinga.

O maior gênio vivo de nosso tempo foi aquele que introduziu, pela primeira vez na História, a existência de Deus dentro do próprio debate ateísta da universidade. Essa é uma guerra que, para a Igreja, jamais foi perdida. Graças a Alvin Plantinga.

 

Alvin Plantinga é mais importante do que Agostinho, Tomás de Aquino e também é mais relevante do que Wittgenstein e Quine, para a história da filosofia. É maior e também muito menos desesperado e mais cristalino do que Kant e Hegel. Logicamente fundacional, permanece  meticuloso. Modesto, desconhece sua importância para a História. Rivaliza com a importância de Aristóteles e Frege, porém os transcendeu no que concerne à reinvenção da lógica e da epistemologia, salvando a lógica modal, ao contrário de Quine, e introduzindo, pela única vez na História, a dúvida entre os ateus acadêmicos em relação a suas próprias convicções lógicas e epistemológicas a respeito da inexistência de Deus.

 

Nesse sentido, podemos dizer, sim, que Alvin Plantinga é o maior filósofo de todos os tempos. Também é o maior gênio de toda a Humanidade.

 

Com todo respeito e carinho que possuo pelos meus amigos e brilhantes filosóficos céticos atuais,  e eu já passei por diversas noites severas de ceticismo, posso afirmar que o ateísmo filosófico hoje está morto. Sepultado. Isso jamais teria acontecido se não tivesse nascido Alvin Plantinga.

 

A sua epistemologia e o próprio argumento ontológico modal, assim como o todo de sua superestrutura não propõem argumentos probabilísticos e indutivos, mas fundamentam a monumentalidade originária.

 

Alfred North Whitehead, da tradição analítica, lógico, matemático, professor do filósofo cético Bertrand Russell, não era ateu, tampouco cristão, e escreveu Process and Reality: An essay in Cosmology, conforme o sentimento hermético de Hegel.

 

A mística de Teresa de Ávila e a monumentalidade de João da Cruz, por sua vez, não são irracionais. João da Cruz se formou em filosofia na Universidade de Salamanca. Sua obra é difícil, monumental.

 

O cristão é diferente do deísta, é diferente de Aristóteles, Voltaire e Antony Flew. Esse é um alerta para o nosso tempo e para as próximas décadas.

 

Com os atuais avanços de Richard Swinburne, William Alston, Peter van Inwagen, Robert Audi, Robert Adams, Willliam Lane Craig e J. P. Moreland, podemos dizer que, estabelecendo as provas da existência de Deus, a filosofia avança  paralelamente também para a própria espiritualidade de ortodoxia e também contemporânea de cultura, para o que é Deus para nós além do fato de que exista, que sentido há na Cristianismo que não é encontrado no monoteísmo de outras espiritualidades abraâmicas, o que é a ontologia da Igreja, a fundamentação do que é esse Deus que se relaciona através da ciência de oração contemplativa mais profunda, o que é a obra de João da Cruz e ir além de João da Cruz. 

 

O Neomedievalismo é inaugurado após o recente fracasso da morte de Deus na própria universidade e na cultura. Esse novo tempo é mais semelhante ao sentimento e sentido da Idade Média do que à estranha modernidade. Tempo em que fará mais sentido acreditar no espírito e no mundo espiritual, em Efésios 1 e no embate entre duas místicas e entre duas Igrejas Místicas do que no fascínio pela matéria. Não era da matéria, mas do mistério da consciência; o ateísmo não fará mais qualquer sentido na cultura do Neomedievalismo; as comunidades católicas, ortodoxa e protestante estão desunidas, estão distraídas; no âmbito do Cristianismo, só existe uma Igreja; toda ela é católica, porque Jesus a fundou; a comunidade ortodoxa e a comunidade protestante fazem parte dela; desconheço Constantino; conheço Atanásio, João da Cruz; nós, protestantes  devemos nos arrepender do erro de Lutero; isso não significa migrar para a comunidade católica; continuemos protestantes! (escrevo isso aos protestantes). Há muito trabalho duro para ser feito em nossa comunidade, e coisas maravilhosas, sim, têm sido feitas; mas é um pecado imperdoável mentir sobre a história; a armadilha do Renascimento. Esse é um alerta: só existem quatro coisas que por todos os cristãos devem ser feitas. Primeira: orar pela unidade da Igreja. Segunda: desejar a unidade da Igreja. Terceira: lutar pela unidade da Igreja. Quarta: amar a unidade da Igreja.

 

William Wilberforce e Martin Luther King são exemplos de grandes santos protestantes.


O protestante é fascinado por Paulo de Tarso. Alguns amam até a história de Ester. A experiência de Ana é considerada significativa. Até mesmo Jezabel é bastante citada entre os protestantes. E a Anunciação Mística é muito mais importante para a história da humanidade do que Romanos 9. Será que é impossível, para nós, protestantes, ao menos amar Maria? Eu duvido.

 

Do contrário, é impossível a unidade da Igreja. Se só existem duas Igrejas, e nenhuma outra realidade há nesse mundo, como guerrear desunidos? Como descumprir os anseios da oração sacerdotal de Jesus? (Jo 17.20-21)

 

Quando se encerra o período transitório e líquido da pós-modernidade? Quando se inicia o Neomedievalismo? Podemos dizer que começa hoje! Evidentemente, também a Grande Guerra. Realizada no conceito, guerra de mentes.

 

Em toda guerra existirá espionagem, infiltrações, influências. Tal qual na Guerra Fria.

 

No século XXI, estamos na Grande Guerra, a Guerra Final, a partir do sentimento recente,  que é o da Grande Apostasia determinada, também abertamente manifestada em declarações de ódio e rebelião contra a soberania que no Salmo 2 já  é expressa, ódio presente e declarado abertamente em algumas bandas musicais

 mais recentes; o sentimento de Grande Apostasia é mudar de lado, tornar-se obscuro, mudar de opinião, trocar de time,  ir para o outro exército; isso aumentará muito rapidamente; a Grande Apostasia da qual fala Paulo de Tarso será quase universal; hoje, o Deus escolhido por muitos não mais é a luz que raiou na Galileia, mas uma falsa aurora (Isaías 11.12). Jerônimo, em sua Vulgata, cometeu um erro de tradução.

 

A pesquisa acadêmica em filosofia hermética jamais é aconselhável para o cristão, a não ser que ele esteja seriamente vocacionado para desconstruí-la. A defesa da fé é radicalmente distinta da mera curiosidade.

 

A santificação para a Guerra se denomina terror, força e coragem. Processo, telos, necessidade e culminação naquilo que no futuro será Temível.

 

Nas próximas décadas, a Nova Era de contracultura, esse Neoromantismo, será mais desafiadora para a Igreja do que o próprio ateísmo.

 

O sentimento do cristão hoje é ambíguo. Tornoa -se impossível, hoje, discernir quem realmente é o cristão. Não é mais possível. Tal aporia apenas avançará nas próximas décadas. Por isso, efetivem o discernimento místico. Através da reação dos poucos cristãos místicos, armados para essa guerra, o que há é a fundamentação de uma verdadeira Cristologia e de uma sinergia, onde o amor líquido jamais será permitido, era do discernimento profundo, a oração entendida como a principal ciência  para a Igreja, a aniquilação do sentimento de mediania, o que traz agora à luz a mentira determinada no mundo; o império da Igreja  é agora entendido como plenitude que enche todas as coisas em qualquer circunstância, conhecimento e poder que é procedido por noites, a noite do sentido ativa, a noite do sentido passiva, a noite do espírito ativa, a noite do espírito passiva, as quatro grandes noites, isto é, João da Cruz, e também seu belo desposório místico, seu matrimônio místico e, depois, outra noite ainda mais terrível, por João da Cruz desconhecida, somente para os que forem chamados para a Grande Guerra do século XXI, a noite bélica mística, superada pela esperança, a qual culminará, enfim, em uma outra união, a união temível mística.

 

A mística não é o âmbito da irracionalidade e do emocionalismo. A mística de ortodoxia nunca foi novidade para a Igreja, embora não ainda plenamente fundamentada e fundada do ponto de vista filosófico.  Que seja a partir de agora! Desde Orígenes, os pais do deserto, passando por Antão do Deserto, Pacômio, Bento de Núrsia, Evágrio do Ponto, Cassiano, Máximo Confessor, Gregório de Nissa, Hugo de São Vitor, Ricardo de São Vitor, Bernardo de Claraval, Boaventura, Paulo da Cruz, Catarina de Sena, Faustina Kowalska, assim como a filosofia foi importante para a apologética do período da Patrística, a mística sempre fez parte das próprias estruturas do que é a Igreja, espiritualidade agora bloqueada pelo humanismo universal ocidental inventado pelo Renascimento; na realidade, existem duas místicas: a mística imanentista hermética e a mística transcendentalista cristã. Na primeira, Deus está misturado com o mundo, não é um ser pessoal e relacional, é energia, vibração, intracósmico (hinduísmo, agora estruturado na teologia monumental de Helena Blavatsky), e portanto o homem também pode ser Deus, não discernindo, mas conhecendo o Bem e o Mal. Na segunda, Deus está separado do mundo, está fora do Universo, permanece fora do espaço e do tempo, é intratrinitário, é um ser pessoal e se relaciona com o homem; a união mística de João da Cruz e Teresa de Ávila e também a união temível mística que aqui proponho é através do amor, e não uma união de substâncias; portanto, essencialmente transcendentalista, e não teúrgica.

 

O conhecimento neoplatônico é fechado. O conhecimento do Carmelo é aberto.

 

O poder teúrgico se dá pelo que é suprassumido, conforme Hegel. O poder esponsal se dá por noites, conforme João da Cruz.

 

O fim da história e o Saber Absoluto, para o sentimento carmelita, procedem da própria Transcendência. O fim da história, para João da Cruz, é a ausência de Abinadab  na História da Igreja, e seu completo esquecimento.

 

A Cristologia de João da Cruz faz sentido, assim, filosoficamente, em nossa época.

 

Assim afirma Karl Rahner: “o cristão do futuro, ou será místico ou não será cristão”.

 

O Neomedievalismo inaugura a verdadeira Cristologia transcendentalista para o nossa tempo, aniquiladora de toda ambiguidade, discernimento do Bem e do Mal,  onde nenhuma mediania será conhecida. É tempo de discernir, finalmente, quem é o verdadeiro cristão do futuro que começa hoje.

 

Bibliografia

 

Crítica da razão pura, Imannuel Kant,  Fundação Calouste Gulbenkian, 9ª. Edição, 2018, Lisboa

 

Obras completas, João da Cruz, Editora Vozes, Petrópolis, 2002

 

Plotino: teurgia e negatividade, Pr. Dr. José Carlos Marçal

 

Fenomenologia do Espírito, Hegel, Editora Vozes, 9ª. Edição, Petrópolis, 2002

 

Hegel, Charles Taylor, Realizações Editora, São Paulo, 2014

 

 

 

 

sábado, 18 de junho de 2022

Eu nasci para a arte e para o amor

“Eu nasci para a arte e para o amor”; assim parafraseio Tosca, de Puccini; hoje, considero que mesmo a partir de uma perspectiva cética, os Quatro Grandes Tratados de João da Cruz são o que de melhor se escreveu em toda a história da humanidade; a espiritualidade é aqui entendida como um caminho de plenitude, a qual só pode ser encontrada no amor místico, exatamente conforme é expresso por essas grandes obras; vejo-as como também válidas para o âmbito do ceticismo e para quaisquer projetos filosóficos de grande envergadura, isto é, não dependem de crença religiosa, mas são uma expressão: aquilo que pode direcionar-se ao humano, independentemente da fé em qualquer divindade, pois o que nos é mais docemente próximo e imediato é o homem; cristãos e ateus concordam que o amor ao humano é algo bom; a obra de João da Cruz deve ser estudada e vivenciada para fins de transbordamento de tal amor a toda a humanidade; apesar disso, tal empreendimento somente será efetivo em referência àqueles seres humanos que valem a pena, aos que não são completamente insensíveis à linguagem do amor.

“Eu nasci para a arte e para o amor”; reside, aqui, o significado da estética que é para a arte e para a vida enquanto contemplação, enquanto espiritualidade que estabelece uma existência em forma de arte e beleza, e esse senso estético empreende o próprio encontro com a alteridade, com aqueles espíritos que não são totalmente odiosos; não efetiva, necessariamente, tal senso estético, o sentido da perfeição relacional, mas a aposta na beleza; quando o surpreendente adágio atribuído a Teŕesa de Calcutá declara: “a paz começa com um sorriso", nem sempre isso se concretiza; pode ser que, em muitos momentos, sejamos retribuídos com grosserias insuperáveis; contudo, conviver é arte política; há momentos nos quais barreiras consideradas até então irredutíveis se rompem em um contexto de planejada gentileza política, o que pode encaminhar relações cotidianas não necessariamente para a amizade, mas para a paz possível; isso ocorre porque a doçura interior pode superar muros aparentemente intransponíveis, nem sempre através de uma atitude de cordialidade aberta, mas também de coalizões necessárias; esse é um caminho de doçura sutil e de diplomacia; ser admirado não consiste em ser agradável a muitos, mas em fazer concessões possíveis a muitos; em momentos em que a paz não se torna possível, a firmeza de espírito faz-se eminentemente necessária; é a firmeza do amor autorrespeitoso em direção ao mal.

Por que a música é a arte mais apreciada? Por que, dentro de um transporte público, a maioria dos presentes, por meio de smartphones e fones de ouvido, ouvem música? Ouvir muita música é uma experiência estética inerentemente necessária ao espírito humano. Decididamente, importa, não apenas ouvir música, mas a boa música.

O sentido da estética não reside apenas na arte em si, mas no que ela pode expressar. A adoração gospel não realiza apenas música, mas uma espiritualidade coletiva e irreversivelmente complexa; a estética deve ser uma atitude de beleza essencial e existencial, coragem para amar para fora. “Eu vivi para a arte e para o amor", afirma Tosca. Isso significa que o amor e a arte estão enlaçados em um mesmo significado essencial filosófico: fazer da presente vida uma experiência eminentemente estética de existência.