quinta-feira, 27 de junho de 2019

Neomedievalismo. Quarta Parte

QUARTA PARTE. DA NECESSIDADE DE UMA DISTINÇÃO DO PROFUNDAMENTE DISTINTO E  JÁ ABSURDAMENTE SEMELHANTE 


Decifrar a cultura cristã é algo extremamente difícil  e que requer um pensamento complexo e atento às várias nuances culturais que operam em uma ensurdecedora mistura de ruídos e de pensamentos que se entrelaçam e se confundem, de modo a requerer um olhar não apenas filosófico, mas também místico-contemplativo. A era da multiplicidade requer um olhar silencioso e a capacidade de  selecionar informações e estabelecer um pensamento que seja não apenas erudito, mas também profundo e complexo. É necessário não apenas perspicácia, mas também criatividade e imaginação, aliada a uma certa curiosidade necessária e um fio condutor que perpasse toda a história do pensamento, a qual se tornou menos criativa no século XX, afastando da filosofia o seu aspecto mais estruturante e próprio: o metafísico.

O mundo de hoje é extremamente complexo e muito diferente do mundo antigo porque acumulou tensão, e pensamentos difíceis de serem discernidos. A ideia de Deus tem sido debatida em toda a história da filosofia, gerando acúmulo de tensão e a falta de certeza tanto para o defensor da metafísica quanto para o cético, tendo a recente ciência não mais buscado um conhecimento certo, universal, apodítico e necessário, mas baseado em sensações. A incerteza pós-moderna é o universo da ambiguidade do pensamento, porém, não apenas em seus aspectos teóricos, mas, também, das relações.

Todo relacionamento compreende o sentimento e, acima de tudo, a vontade, mas depende também do entendimento. Se o pensamento de uma cultura é fragmentado e ambíguo, também o serão as relações. Na realidade, certa espiritualidade mais superficial tem insurgido não hoje, mas desde algumas décadas, porém é nesse momento que, podemos dizer, alcançou o seu mais alto fim e ápice: a ambiguidade absoluta.

Quem hoje é, realmente, o cristão? Não mais sabemos. Sua figura tornou-se ambígua. Discerni-lo tornou-se impossível, de modo que hoje a imagem do cristão tornou-se indistinguível da imagem do praticante de uma  espiritualidade fluida. O mesmo ocorre em relação a lideranças. Confissões e rituais públicos tornaram-se insuficientes. De algum modo, será possível reconhecê-lo, mas para isso será necessário o estudo da Filosofia Mística, que é, exatamente, a que aqui é exposta.

O estabelecimento do neomedievalismo é, exatamente, o horizonte da radicalidade no universo da superficialidade, onde a Filosofia Mística, sendo conhecida, apontará o caminho filosófico-místico necessário em um mundo que testemunhou o recente desmoronamento do ateísmo e a ambiguidade das relações, e deseja encontrar o seu caminho. É, a Filosofia Mística, um caminho de construção da grande cultura, definindo conceitos, delimitando pensamentos, discernindo relacionamentos e estabelecendo, de forma concreta, determinado estruturalismo que nesse momento histórico se demonstrará, em um só tempo, absoluto, místico, transcendente e humano.


FIM DA QUARTA PARTE 

Neomedievalismo. Terceira Parte


TERCEIRA PARTE. O RELACIONAMENTO E O SEU PRESSUPOSTO ONTOLÓGICO 


Talvez possa parecer ao leitor algo pouco emocionante, em termos filosóficos, tratar de relacionamentos. Se isso ocorre, pode ser por três motivos muito distintos. Primeiro: não está muito atento ao que são realmente os grandes movimentos de nossa cultura, e ao modo como eles deságuam no caldo cultural do ocidente, estabelecendo pensamentos e relações. Segundo: desconfia que é um tema mais interessante para a sociologia do que para a filosofia, e nesse ponto eu afirmaria não possuir uma visão tão delimitada acerca das ciências humanas, e vejo a filosofia como o pensamento estruturante e abrangente que alcança, metodica e extensivamente, territórios muito mais vastos do que qualquer outra ciência. Terceiro: não tem como perspectiva o pressuposto ontológico do relacionamento.

Ater-me-ei ao terceiro ponto.

Considero, em filosofia, a partir do pressuposto ontológico, o relacionamento. Pois, se as relações não são mais do que meras convenções pragmáticas e artificiais estabelecidas por primatas avançados para fins de sobrevivência, podemos considerar natural o atual estado de coisas, isto é, a fragmentação de todo o sentido das relações pós-modernas. Porém, se, mesmo que tenhamos evoluído, existe um fundamento estruturante e ontológico que precede toda a cadeia de evoluções, se existe um sentido universal e necessário que antecede toda a multiplicidade, e se há um elemento teleológico dado, pelo qual podemos guiar as relações, então essa nova objetividade dará um outro significado ao intercâmbio entre os seres, e a teoria neomedievalista fará total sentido.

A modernidade produziu a bomba atômica, duas guerras mundiais e a guerra fria, mas o espírito da Idade Média é que é temido. O espírito moderno, mesmo tendo sido recentemente desmoronado, parece ainda terreno seguro. O motivo é certo recorte historiográfico e determinada propaganda massiva mantida em um mundo onde a atmosfera renascentista permanece onipresente em todo o mundo ocidental cristão. Quando o protestantantismo desconstrói o catolicismo, ele não está se apropriando, especificamente, do seu destino histórico. O papel do protestantismo dentro da cultura cristã não é a desconstrução da História, mas a inspiração a uma unidade que será neolitúrgica. O evangelicalismo protestante e a sua renovação da liturgia, o Grande Despertamento, o espírito da nova arte sacra e os conteúdos da adoração constituirão, especificamente, os destinos e o caminho histórico que se darão em uma comunidade não mais fechada em si mesma, mas que se abre para o mundo. O espírito do neomedievalismo é aquilo que realiza o pressuposto ontológico que precede a multiplicidade das relações, que é o único que poderá se contrapor à insurreição de um neoromantismo fugaz e fluido, pois é relação concreta com o humano, através de uma grande abertura e do esvaziamento daquilo que eram, há pouco tempo, comunidades fechadas e conduzidas por lideranças ambíguas, e também a ambiguidade superficial de todas as relações. 

Somente entendendo os relacionamentos como momentos vinculados àquilo que é a própria estrutura do mundo, e através de um olhar neomedievo, no qual os destinos de uma grande comunidade constituem, necessariamente, a transformação do âmbito das relações a partir de um pressuposto transcendente e ontológico, compreender-se-á o que é o espírito do neomedievalismo, e as transformações culturais que se darão, brevemente, em nossa cultura.


FIM DA TERCEIRA PARTE

quinta-feira, 13 de junho de 2019

Neomedievalismo. Segunda Parte


SEGUNDA PARTE. DOIS MOVIMENTOS HISTÓRICOS DISTINTOS DE COESÃO DENTRO DA GRANDE CULTURA 


Falar sobre coesão e sentimento de unidade em nossa cultura não é tratar de algo novo. Poderíamos perguntar: existe algo como uma grande cultura no oriente? Se há, permanece algo muito diferente do que subsiste entre nós, ocidentais. Contudo, o fato é que entre nós tal existe, ou, mais do que isto, o que há entre nós é uma certa tradição e uma grande memória. E, se quisermos ir mais fundo, além dos estereótipos desgastados que emprestam à Idade Média nada mais do que uma reconstrução modernista – pois é certo que tal período foi desfigurado pelas historiografias correntes da modernidade, sendo essa, em sua essência, o humanismo pragmático progressista que deságua no leito da instituição líquida pós-moderna –, deveremos reconhecer que pouco se sabe sobre esse momento histórico. O que existe é um sentimento de coesão nítida, e se eu perguntasse qual é a origem desse sentimento que une, de modo distinto de qualquer outro lugar e período histórico, vidas tão díspares e povos tão diferentes, dir-me-iam: o dogma. Contudo, eu afirmaria que essa resposta é insuficiente.

Ainda que fosse o dogma, tal não consistiria o maior problema, pois existem de variados tipos, e não apenas ritualísticos e religiosos, mas a ideia que se coloca é que o que causou tal coesão e sentimento de unidade foi um elemento que está para além do dogmatismo, isto é, certo estruturalismo, pré-cismático, ou estrutura de pensamento, ao qual denominamos, em Filosofia Mística, estruturalismo cristológico. Porém não é pensamento em sentido modernista, tão somente, mas um fundamento ontológico que aqui entendemos como a própria estrutura do mundo, que a nossa cultura conheceu em vivas cores tal qual nenhuma outra, e ainda a vivencia, mas de maneira muito diferente hoje, após a sucessão de todos aqueles movimentos humanistas históricos, de modo que agora temos, na grande cultura, mais do que uma experiência, uma tradição e uma grande memória cristã. Desse modo, existe ainda uma experiência, mas que percorre como que de maneira subterrânea a  superfície de todas as rupturas renascentistas e  de todos os relacionamentos fluidos.

Entretanto, para entender em que consiste exatamente tal estruturalismo, é necessária certa sistematização rígida e certa construção teórica. Nessas exposições filosóficas, estou introduzindo, e não ainda fundamentando o pensamento. Elas são úteis para a introdução de um pensamento. Refiro-me, obviamente, não a outra coisa senão à Filosofia Mística.

O Neomedievalismo será, especificamente, o novo sentido de unidade da grande cultura que dará fim ao período transitório da pós-modernidade. 

Entretanto, nesse momento se constitui não mais apenas um grande sentimento de coesão, porém dois, um já em curso, e outro, o que agora se anuncia: o primeiro é uma união difusa, o segundo, o próprio sentido neomedievalista da grande cultura. O primeiro, o sentimento pragmatista de uma espiritualidade fluida. O segundo, aquilo que constitui o sentido mais radical e concreto do estruturalismo cristológico, e da sinergia contagiante e própria. O fim de todo princípio de ruptura e uma unidade não fluida, mas que se concretizará em verdadeiros relacionamentos.


FIM DA SEGUNDA PARTE

sexta-feira, 7 de junho de 2019

Neomedievalismo. Primeira Parte


PRIMEIRA PARTE. O SENTIDO DE GRANDE COMUNIDADE NA CULTURA OCIDENTAL CRISTÃ


Após as três grandes exposições que fiz sobre o sentido da Igreja, recentemente – embora nem tanto, pois a cultura pós-moderna é uma cultura que avança rapidamente, mesmo que, na maioria das vezes, imperceptivelmente –, faço agora essas exposições filosóficas tratando de um tema de grande interesse a todo aquele que se debruça atenciosamente sobre o pensamento, dessa vez em escrito, e divididas em partes, trazendo à  tona, dentro da História, finalmente, o tema do Neomedievalismo.

Entender o que é o espírito do Neomedievalismo será o mesmo que compreender  os destinos de nossa cultura, que é embebida de espírito cristão, mas que, desde os movimentos humanistas históricos, especialmente o de 1517, tornou em fragmentos o sentimento de unidade até então vigente, embora não tenha tornado os seus seguidores, por causa disso, menos cristãos, pois a essência do protestantismo é algo que transcende os próprios movimentos humanistas históricos, que apenas se servem de ocasiões e ocasiões, entender o que é o espírito do Neomedievalismo será o mesmo que decifrar o sentido daquilo que dará fim ao período denominado, entre nós ocidentais, pós-modernidade.

Contudo, não será tão fácil erigi-lo, e nem tão fácil entendê-lo, de modo que será necessária a construção paulatina e progressiva de um grande pensamento.

O sentimento ateísta, na cultura ocidental, o qual vem sendo substituído progressivamente por um renovado interesse pela religião, notadamente pelas religiões orientais, legou à cultura não uma desconstrução de uma espiritualidade, mas a desconstrução de um sentimento de unidade que prevalecia na grande cultura da hagiografia e dos mosteiros. Contudo, após o recente esfacelamento do sentimento ateísta, o que outrora era o monacato, em termos de espiritualidade, hoje se tornou o sentimento de uma grande cultura, ou de uma grande comunidade, de modo que falar de cultura ocidental cristã em termos de pequenas comunidades hoje perdeu o sentido. A cultura ocidental cristã sobreviverá se ela se entender hoje como uma grande comunidade fundamentada em elementos de unidade cristã aos quais denomino Neomedievalismo.

Desse modo, o sentimento cristão de unidade não será tanto um pluralismo religioso panteísta, pois tal elemento levaria inevitavelmente não a uma unidade, mas a uma dissolução, mas uma coesão nova fundamentada no que em Filosofia Mística denomino estruturalismo cristológico, que é a redenção de uma dissolução histórica do sentimento de unidade cristã. Contudo, paralelamente a esse sentimento de unidade, haverá também um outro, identificado com todas as vertentes de dissolução histórica, ao qual podemos denominar fraternista.

“Por que fraternista?”, questionará o leitor. O motivo é histórico: trata-se de uma construção fundamentada em outros princípios de coesão, diferentes do que denominamos estruturalismo cristológico, que é o sentimento de uma fraternidade que tem como princípios a instituição de uma progressão histórica necessariamente humanista, e de uma espiritualidade rasa e líquida. O estruturalismo cristológico, que aqui fundamentamos, possui um fundamento diferente. É como se fosse uma pedra, uma base firme que na unidade cristã não será rejeitada. Uma pedra diferente, muito mais firme do que a que seria utilizada, por exemplo, por construtores. Trata-se, obviamente, de uma analogia muito simples com profissões do cotidiano, como a de um trabalhador de uma construção, ou da carpintaria.

Se falo de construções, falo essencialmente de pensamentos, e o pensamento aqui estabelecido vem construir o que podemos denominar comunidade e sentido. Pois é certo que não é na multiplicação dos ajuntamentos em separado que se constrói uma comunidade, onde se busca uma coesão que nunca se alcança, e nem o poderia, pois o que há é antes a ilusão de uma unidade que não existe, ilusão que subsiste em um sentimento de coesão, diferente de vontade, que logo se desmorona como areia. A unidade far-se-á em nossa cultura não tanto através de comunidades isoladas que caminham rumo ao desmoronamento certo, mas em uma unidade em comum que subsiste no próprio mundo, mundo esse que é a própria grande cultura ocidental cristã, impregnada de sentimento cristão, o qual subsiste, embora como que de forma invisível. 

Dessa forma, o verdadeiro sentimento de unidade não será o olhar para o lado e ver em um banco o irmão, mas o olhar para a rua e enxergar o humano, de modo que amizades inesperadas podem ser construídas com quem há algum tempo julgava-se do outro lado do muro. Amizades entre pessoas de uma mesma grande cultura, cuja unidade se dará através de um conhecimento aberto para o mundo, o qual subsiste em um estruturalismo que é cristológico. 

Contudo, para que tal sentimento seja construído, é preciso estruturar um pensamento complexo, a um só tempo filosófico e místico. É preciso enxergar além dos muros a partir daquilo que nos sussurra o grande pensamento de João da Cruz:


“porque o mesmo amor três têm,
e sua essência se dizia:
que o amor quanto mais uno,
tanto mais amor fazia". (1)


FIM DA PRIMEIRA PARTE

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(1) CRUZ, João da, Romances trinitários e cristológicos, Romance n°. 1.