“Eu
nasci para a arte e para o amor”; assim parafraseio Tosca, de Puccini; hoje, considero
que mesmo a partir de uma perspectiva cética, os Quatro Grandes Tratados de João
da Cruz são o que de melhor se escreveu em toda a história da humanidade; a espiritualidade
é aqui entendida como um caminho de plenitude, a qual só pode ser encontrada no
amor místico, exatamente conforme é expresso por essas grandes obras; vejo-as como também válidas para o âmbito do ceticismo
e para quaisquer projetos filosóficos de grande envergadura, isto é, não dependem de crença religiosa, mas são uma expressão: aquilo que pode direcionar-se ao humano, independentemente da fé em qualquer divindade, pois o que nos é mais
docemente próximo e imediato é o homem; cristãos e ateus concordam que o amor ao humano é algo
bom; a obra de João da Cruz deve ser estudada e vivenciada para fins de transbordamento
de tal amor a toda a humanidade; apesar disso, tal empreendimento somente será efetivo em referência àqueles seres humanos que valem a pena, aos que não são completamente
insensíveis à linguagem do amor.
“Eu
nasci para a arte e para o amor”; reside, aqui, o significado da estética
que é para a arte e para a vida enquanto contemplação, enquanto espiritualidade
que estabelece uma existência em forma de arte e beleza, e esse senso estético empreende o próprio encontro com a alteridade, com aqueles espíritos que não são
totalmente odiosos; não efetiva, necessariamente, tal senso estético, o sentido
da perfeição relacional, mas a aposta na beleza; quando o surpreendente adágio atribuído a Teŕesa
de Calcutá declara: “a paz começa com um sorriso", nem sempre isso se concretiza;
pode ser que, em muitos momentos, sejamos retribuídos com grosserias insuperáveis;
contudo, conviver é arte política; há momentos nos quais barreiras consideradas
até então irredutíveis se rompem em um contexto de planejada gentileza política,
o que pode encaminhar relações cotidianas não necessariamente para a amizade, mas
para a paz possível; isso ocorre porque a doçura interior pode superar muros aparentemente
intransponíveis, nem sempre através de uma atitude de cordialidade aberta, mas também
de coalizões necessárias; esse é um caminho de doçura sutil e de diplomacia; ser
admirado não consiste em ser agradável a muitos, mas em fazer concessões possíveis
a muitos; em momentos em que a paz não se torna possível, a firmeza de espírito
faz-se eminentemente necessária; é a firmeza do amor autorrespeitoso em direção
ao mal.
Por
que a música é a arte mais apreciada? Por que, dentro de um transporte público,
a maioria dos presentes, por meio de smartphones e fones de ouvido, ouvem música?
Ouvir muita música é uma experiência estética inerentemente necessária ao
espírito humano. Decididamente, importa, não apenas ouvir música, mas a boa música.
O
sentido da estética não reside apenas na arte em si, mas no que ela pode expressar. A
adoração gospel não realiza apenas música, mas uma espiritualidade coletiva e irreversivelmente complexa;
a estética deve ser uma atitude de beleza essencial e existencial, coragem para
amar para fora. “Eu vivi para a arte e para o amor", afirma Tosca. Isso significa
que o amor e a arte estão enlaçados em um mesmo significado essencial filosófico:
fazer da presente vida uma experiência eminentemente estética de existência.