sábado, 24 de junho de 2017

A concretude do Primeiro Grande Mandamento (Segunda Parte)

Ler primeiramente:



“Respondeu Jesus: ‘Ame o Senhor, o seu Deus de todo o seu coração, de toda a sua alma e de todo o seu entendimento’. Este é o primeiro e maior mandamento. E o segundo é semelhante a ele: ‘Ame o seu próximo como a si mesmo’. Destes dois mandamentos dependem toda a Lei e os Profetas’ “. (Mt 22.37-40)


É notório que quando alguém ama verdadeiramente o seu próximo, colocando-o como protagonista nas relações humanas, e acolhendo-o genuinamente, está exercendo, de alguma forma, um certo tipo de amor para com Deus.

Contudo – e isto soará estranho aos ouvidos contemporâneos – isso, embora seja essencial, não é suficiente.

Há um outro tipo de amor, e é deste que trata esse texto, que refere-se diretamente à natureza de Deus, a quem o ser humano é convidado a amar de maneira última. Todas as coisas devem convergir para Ele – mais especificamente, a Jesus, que é o único Deus que existe, pois só existe um Deus, que manifestou-se aos homens na pessoa de Cristo, sendo a Trindade uma unidade que é mistério de três pessoas subsistentes em um único Deus. Três pessoas, mas uma única substância, conforme nos diz o Credo de Atanásio.

O que estamos tratando nesse texto é que a transcendência deve ser entendida como uma realidade concreta. Devemos tomar uma atitude coerente em nossas vidas: ou não se acredita em Deus, como Nietzsche e Richard Dawkins, ou se acredita, como John Wesley e Francisco de Assis. A suposta crença morna, que seria a tentação cômoda de um agnosticismo conceitual ou experiencial, deve ser evitada, pois é mais realista, em relação ao drama humano, uma das escolhas da aposta de Blaise Pascal. O morno, conforme nos diz a Escritura, não serve e deve ser rejeitado (Ap 3.15-16). Quem diz que acredita em Deus e não assume uma atitude relacional perante a Eternidade cai na incoerência e na hipocrisia ideológica. Todos somos, em última instância, ou como Nietzsche ou como Francisco de Assis. O meio-termo não existe.

Com efeito, para o Cristianismo, ainda que uma pessoa desse sua vida para salvar todos os homens do mundo, mas não amasse a Deus sobre todas as coisas, de nada adiantaria

Conforme nos diz Marko Ivan Rupnik, crer é amar. E para que Deus seja amado sobre todas as coisas de forma realista, é preciso que se supere o relativismo nauseante e se assuma a concretude do relacionamento para com Ele como pessoa concreta.

Esse é o verdadeiro sentido do amor. Amar aos homens a partir do amor de Deus, com o amor com que Deus ama. 

A concretude do Primeiro Grande Mandamento (Primeira Parte)

A sociedade pós-moderna tornou-se indolente para com a transcendência. Não se trata de um ateísmo explícito – e por isso o Neo-Ateísmo parece ser um movimento extemporâneo – mas uma apatia para com tudo que se relacione com o Sagrado. O sagrado, quando existe, é instável, e não é concretude – porque não se assume publicamente o sentido bíblico da confissão aberta de fé – o sagrado tornou-se esfera não do geral, mas do particular, do privado.

A fé cristã originalmente sempre foi pública, mas hoje corre-se o risco de cair naquilo que Jesus falou: “se alguém se envergonhar de mim e das minhas palavras, o Filho do homem se envergonhará dele, quando vier em sua glória do Pai e dos santos anjos” (ver Lc 9.26 e também Mc 8.38 e, em Ap 21.8, a palavra, conforme a tradução, “tímidos” ou “covardes”). Não é a toa que, em Ap 21.8, a palavra “tímidos” encontra-se junto da palavra “incrédulos”.

A sociedade cristã ocidental vive, hoje, uma contradição sem precedentes, de modo que a fé tornou-se assunto proibido dentro da esfera pública  essa proibição, não legislativa, mas social, é algo muito sutil , e tudo o que é reverenciado publicamente é aquilo que é convencionado na agenda mediática, que é uma agenda que, mais do que ser laica, é anticristã em sua essência, o que não é difícil de perceber quando se possui o mínimo de discernimento filosófico.

É dentro desse contexto que é possível constatar o esvaziamento do significado profundo do Primeiro Grande Mandamento, até mesmo dentro das igrejas mais tradicionais e teologicamente fundamentadas, e na sociedade como um todo, disfarçado de piedade para com os homens, podendo até se esconder embaixo daquilo que falou João em I Jo 4.20, quando na realidade, o significado de amar o próximo, para os apóstolos, sempre esteve intimamente ligado ao significado de amar a Deus sobre todas as coisas.

O Primeiro Grande Mandamento é: “amar a Deus sobre todas as coisas”, e o Segundo Grande Mandamento é “amar ao próximo como a si mesmo”, e o segundo se submete ao primeiro, do qual é inerentemente dependente, sendo ambos a manifestação do mesmo amor, pois só existe um amor, isto é, o amor da Trindade.

O que João nos diz em I Jo 4.20: “se alguém afirmar: ‘eu amo a Deus’, mas odiar seu irmão, é mentiroso, pois quem não ama seu irmão, a quem vê, não pode amar a Deus, a quem não vê’ ” não é desculpa para amar somente o próximo, pois para os apóstolos a proeminência, acima de tudo, sempre foi o amor de Deus sobre todas as coisas.

Vivemos, porém, em um tempo diferente dos apóstolos, em uma sociedade complexa, que bebeu valores cristãos, gregos, judaicos, pagãos, orientais, todos misturados, e o humanismo e o antropocentrismo desencadeados pelo Renascimento e pregados no Iluminismo se espalharam de forma sutil em toda a humanidade ocidental, de modo que o chamado para amar a Deus sobre todas as coisas perdeu o sentido em uma sociedade consumista e materialista, hedonista em sua essência, que vive a mentira do Carpe Diem; esse chamado esvaziou-se.

Os cristãos, de certo modo, submetem-se à agenda do secularismo, e vivem uma suposta adoração na igreja aos domingos, mas experimentam o pragmatismo materialista no seu cotidiano, e não têm coragem de denunciar, no dia-a-dia, as pregações anticristãs que a sociedade dita, a todo momento, nas relações, inconscientemente, sem perceber.

Na sociedade pós-moderna, a fé perdeu o sentido.

Assim, o suposto amor ao próximo tornou-se clichê fácil e moralismo hipócrita, sem que haja amor profundo, verdadeiramente. Querem um exemplo de alguém que amou profundamente o próximo? Teresa de Calcutá. Sim, uma cristã. Ela recebeu o Prêmio Nobel da Paz, amou o homem, e nem por isso deixou de amar a Deus, sobre todas as coisas, como pode-se perceber visivelmente em suas inúmeras cartas.

Para mim, a referência para o amor ao próximo é uma Teresa de Calcutá, que disse: “O amor, para ser verdadeiro, tem que doer. Não basta doar o supérfluo a quem necessita, é preciso doar até que isso nos machuque”.

O amor ao próximo, segundo a escola do Cristianismo, é uma experiência de dor. E isso só poderá compreender quem estudar o evento da Crucificação de Jesus e sua Paixão, e quem viver, na essência, a dor inerente ao Cristianismo, que não exclui, jamais, a felicidade. Ser cristão em sua essência é viver para o próximo e é ter felicidade contagiante. Mas tudo isso começa com o amor a Deus sobre todas as coisas.

Esse texto terá continuação. Continue conosco.

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Ler a continuação: A concretude do Primeiro Grande Mandamento (Segunda Parte)