sábado, 2 de novembro de 2019

Neomedievalismo. Décima Parte


DÉCIMA PARTE. NEOLITURGIA DA GRANDE CULTURA 


Sendo, o neomedievalismo, um novo sentido cultural para toda a grande comunidade do Ocidente, faz-se necessário, enfim, definir o que será algo como liturgia nesse momento de mudanças estruturais na espiritualidade, tanto em relação à Transcendência como em relação ao humano.

Como já abordei, e não pode ser ignorado, o desenvolvimento do protestantismo ocasionou uma revolução sem precedentes na liturgia, no significado da adoração e nos relacionamentos culturais. Aquilo que, inicialmente, insurge como o desenvolvimento de um projeto alquímico  pragmatista-histórico, acaba, com o passar do tempo, se revertendo em uma espiritualidade cultural de grandes proporções, transformando o sentido da contemplação, da arte e dos relacionamentos, de modo que o que era, no início, tão-somente um movimento antropocêntrico de ruptura, vem a se tornar, nas nações, uma liturgia livre, informal, avivada, jovial, instituindo um sentido novo de comunidade e contrário ao esperado. É essa espiritualidade, especificamente, que deverá ser estruturada em uma filosofia da adoração, orientada pelo pensamento filosófico-místico, o qual apontará os rumos e os caminhos que uma cultura, agora não mais amparada em um modelo institucional rígido, deverá seguir.

Inaugura-se, no neomedievalismo, uma nova maneira de lidar com o mundo (oikoumene, kosmos e aión) e um modo novo de se relacionar com o instituído. Na atual conjuntura, o cristão tradicional tende a relacionar-se com a sua comunidade de modo diverso do qual se relaciona com o oikoumene, enquanto o não-cristão tradicional sente-se pouco confortável com a cultura eclesial. Na nova conjuntura, o sentimento cristão não será definido como uma instituição isolada, mas como uma grande espiritualidade. Os grandes místicos cristãos serão lidos e conhecidos. Será conhecida a diferença entre os místicos transcendentais e os místicos imanentistas. Os verdadeiros cristãos serão aqueles que vivenciarão uma espiritualidade de grande abertura e que institui relacionamentos concretos, e que se diferenciará da espiritualidade líquida neoromântica e da unidade de superfície. O cristianismo somente sobreviverá enquanto sendo um grande movimento de espiritualidade concreta, a ser encontrada em meio a verdadeiros relacionamentos. O verdadeiro sentido da santidade será um olhar renovado sobre a alteridade, pois se trata, agora, de que nisso consiste a santidade: no fato de que ela subsiste nos relacionamentos.

As instituições terão um novo papel nessa grande cultura de espiritualidade – pois é fato não muito difícil de ser observado que o ateísmo não mais subsiste (e o que dele restava foi recentemente destruído pelo advento de William Lane Craig), e restam somente duas espécies absurdamente semelhantes e profundamente distintas de espiritualidade –, as instituições exercerão uma função de formação espiritual. Seria interessante que todas as pessoas da cultura ocidental passassem, ao menos uma vez na vida, pela experiência de estar em uma comunidade cristã que possua as seguintes características: grande abertura (não ser sectária), sobriedade (aprecie o silêncio e o domínio das emoções), valorize o pensamento (isto é, uma formação cristã responsável) e estabeleça relacionamentos (apesar de todas as limitações a que toda comunidade está sujeita). Porém, o papel dessa experiência institucional, saliento, é de formação – do mesmo modo que o futuro profissional adquire ainda, na universidade, durante alguns anos, o preparo que futuramente lhe será  necessário para agir no mundo. A atividade cristã propriamente dita, entretanto, é realizada na grande comunidade, isto é, na grande cultura cristã do ocidente, e esta é a grande abertura. A transformação dos relacionamentos da grande cultura cristã do ocidente é o sentido último  da liturgia neomedievalista, e o verdadeiro sentido da adoração. 

Após passar pela experiência de formação, porém, o cristão deverá refugiar-se na própria cultura, pois esse é o seu mundo. Um mundo de cristãos. As comunidades institucionais possuem um papel deveras limitado em relação à vida do relacionamento interpessoal cristão, que deverá ser aprimorado, no dia-a-dia, na própria grande cultura, onde amizades despretensiosas e inesperadas poderão ser estabelecidas.

É importante que o cristão valorize a independência e o pensamento crítico, ao invés de se submeter  ingenuamente ao jugo de uma liderança opressora. Que conheça os místicos transcendentais, como Orígenes, Teresa de Ávila e João da Cruz, valorize a quietude,  conheça a Noite Escura e se feche em sua clausura interior, até que floresça, ao seu tempo, jorrando santidade relacional ao mundo, isto é, conhecendo a misericórdia, mas também aprendendo  a confrontar, ao seu tempo, o aión. Pois a grande abertura e uma cultura de relacionamentos profundos exigirá também uma ciência do discernimento, o que abordarei com maior detalhe em obras posteriores. A grande abertura exigirá uma cultura de discernimento. Será, a nova cultura, uma cultura de discernimento.

Emergirá,  na cultura neomedievalista, uma nova estrutura de relacionamentos, na qual participa mesmo o não inserido no verdadeiro sentido cristológico de comunidade, isto é, o pressuposto ontológico que precede todo o verdadeiro relacionamento, concedendo unidade cultural ao mundo. Como será a relação da grande cultura com o Oriente? Especialmente, através de grandes debates culturais, tal qual nos legou o grande William Lane Craig. A cultura dos grandes debates é a cultura da tolerância e da ideologia a ser posta à prova. O neomedievalismo será uma nova estrutura de relacionamentos, da qual participará mesmo o não-cristão, e um novo sentido de adoração e de profunda espiritualidade fundada, especificamente, em uma estrutura ontológica fundante  do próprio mundo, em uma sinergia que é cristológica e em um sentido inconfundível e profundo de Transcendência.